Quem já leu alguma entrevista do Gafieiras sabe
que são bem humoradas, mais um bate papo que um interrogatório
interminável. Em 2005 os barbudos também fizeram parte dessa conversa.
Em vez de uma soneca
Já
faz algum tempo que tentamos entrevistar essa banda. Mas eles moram no Rio de Janeiro e
quando vêm a São Paulo é para shows e com a agenda sempre lotada.
Alguma
insistência, a ajuda de Bruno Medina e a entrevista foi possível num encaixe,
entre a passagem de som e
o show que realizaram no Via Funchal, no dia 10 de dezembro de 2005.
No restaurante do hotel esperamos
por eles.
A
van encostou na recepção e foram descendo um a um, ainda rindo de alguma piada
que começou no interior do carro.
A
promessa era de uma entrevista sem motes ou ganchos, um bate papo (como todas
do Gafieiras), uma promessa que se cumpriu em parte…
Marcelo
se preserva, fala pouco. Rodrigo responde a tudo no limite do escárnio. Bruno
reflete a cada pergunta e devolve respostas elaboradas. Barba fala sem o
compromisso de ser um porta-voz.
Reflexos
de um grupo que já passou por muitos dos infindáveis ciclos pelos quais podem
passar uma banda no cenário musical. Começaram estourando nas paradas de
sucesso, romperam com a gravadora no segundo disco, quase foram relegados ao
ostracismo, voltaram à tona e hoje vão se
firmando na busca por sua sonoridade.
A
busca é o que melhor define a condição desse quarteto carioca. Ele está em
busca, mas não para chegar a um ponto final, e sim para crescer nesse percurso.
A
cada disco trazem novidades, a cada entrevista tentam se colocar e encontrar
uma maneira de se relacionar com a mídia. De quem dependem, para que sua
expressão artística transposta em produtos (DVD, CD, shows) encontre seu lugar
(a emoção dos ouvintes – para eles; vendagem e retorno financeiro – para quem?
não importa).
Oscilando
entre momentos de descontração e outros com um quê de tensão, a conversa se
construiu. Subjetividades, convicções, contradições, mas em todas as respostas
se evidencia a busca.
O
tempo passava rápido e estava contra nós, nos olhares cansados de quem já
estava na estrada há dias, sem dizer textualmente, deixaram claro que preferiam
que o tempo ali gasto fosse mesmo uma soneca antes de subir ao palco.
O
papel da entrevista nessa história? Talvez apenas fazê-los perder algumas horas de
descanso ou, na melhor das hipóteses, ter contribuído nessa busca.
I - Vocês pretendem fazer o quê?!
[ Enquanto Daniel Almeida registra em áudio a data,
local e o nome do artista da vez, a banda Los Hermanos chega da passagem de som no Via Funchal, onde se apresentaria
três horas depois. O quarteto se posta em frente à piscina, na área interna do
restaurante do hotel ]
Rodrigo Amarante – Vamos dar um mergulhinho?!
Rodrigo Barba – A
água deve estar quente.
Bruno Medina – Esse
negócio de água quente é porque o tempo do lado de fora está
frio e aí…
Amarante – Porque
a água demora pra chegar à temperatura… Tanto é que a água nos mares nesse
verão é mais gelada…
Bruno – Eu
estava vendo um documentário sobre o urso polar, tadinho dele…
Amarante – É
uma vida de merda que ele leva.
Bruno – É
solitária, fudida, e agora o gelo demora para desaparecer, aí ele fica com
fome, porque tem o aquecimento global... Tadinho
dele! [risos] É sério!
Amarante – Tem
um período, eu não sei qual é, um período horrível daqueles que não tem nada,
somente gelo, né?
Bruno – Mas
gelo é bom pra ele.
Amarante – Aí
ele deita assim no gelo – porque aquele pêlo é tão denso, tão denso, que ele
sofre de calor no Pólo Norte.
Marcelo Camelo – Mas
nesses documentários o que sempre vale é o ponto-de-vista… Se fosse feito do
ponto-de-vista da foquinha, o urso seria o maior filho-da-puta. [risos]
Bruno – São
filhos-da-puta, mas tadinhos!
Barba – É
a vida, é a vida! Você não come galinha, vaca?! [risos]
Bruno – Absurdo
total! [risos]
Amarante – Eu
preciso predar, preciso predar! Mensagem de paz no final!
Ricardo Tacioli – Somente para termos uma ideia, qual é o tempo
que a gente tem para a entrevista?
Daniel Almeida – Vocês é quem falam.
Amarante – A
gente?
Almeida – A gente pode ficar até às dez da noite. [risos]
Amarante – Não
sei, não sei. Vocês pretendem fazer o quê? [risos]
Bruno – Vai depender do tempo…
Almeida – Se forem quinze minutos…
Barba - Tem
gente que é mais rápido… [risos]
Tacioli – As entrevistas do Gafieiras não têm um mote, são um
bate-papo…
II - É a transformação de uma expressão artística em produto
Max Eluard – Já que vocês estão
prestes a se apresentar [ no Via Funchal, em São Paulo], tenho uma questão… A hora do
show é a hora do tesão do músico, de tocar e de mostrar o que vocês fizeram em
estúdio. Ao mesmo tempo, é um momento cansativo, ficar na estrada, longe de
casa, repetir as músicas. Como vocês fazem para minimizar esse efeito negativo
de uma turnê?
Amarante – A
gente tenta diminuir o baque, mas tem uma hora que não tem jeito. Como se fosse
um circo, ainda mais quando é um show depois do outro. Mas acho que a parte
menos cansativa, pelo menos pra mim, e acho que pra eles também, é o de repetir
as músicas. A sensação não é de repetir, porque a gente vai mudando as músicas,
vai mudando os arranjos. Agora, a vida é essa mesma. A cara de cansado… Não tem o que fazer. Acorda às cinco
da manhã, dorme duas horas, vai prum lugar, aí dorme mais três de dia, o que
não vale nem meia hora da noite, come comida estranha…
Camelo – O fato de ser um grupo é bom. É que nem escola que
você vai todo dia: tem sempre as mesmas pessoas, mas cada dia é diferente do
outro. O bom é que varia, tanto entre a gente quanto com a equipe.
Tacioli – Mas mudou algo dos shows do começo da banda, ali de
1998, 99, pra agora?
Amarante – Mudou
tudo! A gente mudou, mudou o mundo, mudou a
música.
Tacioli – Mas mudou algo daquele tesão de iniciante?
Amarante – Não
acho que o tesão do iniciante seja maior do que o do iniciado. Eu hoje tenho
mais tesão do que nunca! Tesão é meio feio, né? [risos] Me sinto nervoso
falando essa palavra. [risos] Não é tesão, é amor, é “eu te amo”! [risos]
Bruno – Eu
acho que tem um aspecto nisso tudo que é a transformação de uma expressão
artística em produto. A gente não pode
esquecer isso. Por mais que seja divertido, e é e tem que ser porque senão a
gente não suporta, mas você gravar um disco é pegar sua arte que tá no ar e
transformar num produto pra ser vendido na loja. E o show também tem um
formato. Não posso chegar hoje no Via Funchal e tocar, de repente, seis
músicas. Não posso fazer isso porque tem um formato, um horário mínimo. Eu
estava olhando eles falarem isso e contemplando com esse olhar de contradição,
porque a repetição às vezes cansa mesmo. Mas tem uma coisa genuína nisso tudo
que é o que move isso, que é fazer música. Aí sai um disco novo e você quer,
efetivamente, tocar essas músicas novas, ficar feliz com os desdobramentos.
Elas se transformam. E tem a recepção dessas músicas em cada cidade. Enfim, é
uma situação cíclica, mas que é um pouco diferente.
II - O peito do meu avô... Um som inesquecível!
Tacioli – E como era o panorama sonoro da infância de vocês?
Daniel Almeida – Havia música em casa ou
era um primo mais velho quem trazia os LPs…
Camelo – A
gente ouvia rádio em casa...
Amarante – Os
meus pais ouviam música. Lembro dos domingos de manhã quando eu pensava…
“Porra, meu pai tem que ouvir essa parada agora tão cedo?!” [risos]
Adolescente, né? Todo domingo era a mesma coisa.
Almeida – E o que era?
Amarante – De
tudo. Tudo, não, era MPB e rock, oscilando aí. MPB, Error! Hyperlink reference
not valid…. Duran Duran ele ouve até hoje. Um dia desses ouvi num lobby de
hotel aquela música… [cantarola] “Don’t say a prayer for me now” [n.e. “Save a
prayer”, do disco Arena, 1984]
Almeida – Opa, clássica.
Amarante - Essa música é boa demais! Tem aquela flautinha que
parece uma flauta peruana.
Bruno – Deve
ser um synth [sintetizador].
Tacioli – Mas e de som, além de música?
Amarante – Tem
o peido do meu avô. Um som inesquecível! [risos] Rasgava a cueca e tal… [risos]
Minha avó aparecia na sala e falava… “Imagina se isso não sai!” [risos], como
se falasse que era legal peidar. Pode peidar! Eram os pais da minha mãe e minha
avó era super erudita, apesar de não parecer… Erudita assim, foi
bióloga, diretora do Instituto de Educação, foi
atriz… Eles tiveram restaurante macrobiótico, comida natural, então o peido era
uma coisa social… [risos] Só que meu avô tinha uma técnica de peidar com muito
barulho. Ele apoiava na poltrona assim e… Era um show de som! Vrauuu!!!
Barba – Agora
eu entendi suas guitarras! [risos]
Amarante – Eu
sou a única pessoa séria da família.
IV -
Tacioli – Todos passaram a infância no Rio?
Barba – Não,
eu passei em Minas.
Tacioli – E como era lá?
Barba – A
mesma coisa. Meu pai escutava muita MPB e rock’n’roll. A infância foi assim. Aí
na pré-adolescência, 10, 12 anos, comecei a comprar discos.
Almeida – E o que você escutava?
Barba – Na
época eu escutava metal e hard-rock. [risos]
Camelo – Progressivo
também. [risos]
Amarante – Eu
ouvia rock triste… [risos] Tipo Smiths, Cure, U2…
Almeida – Mas tem uma semelhança, não tem? Não digo pelo som, mas
de uma aura meio cult…
Amarante – É,
o primeiro disco que eu comprei foi do Smiths, depois Cure e U2… mas aí logo depois
tem aquela coisa anos 70… um pouco mais velho, cê já sabe de mais coisas… Aí
cheira loló e quer ouvir Led Zeppelin! [risos]
Barba – The
Doors. [risos]
Almeida – Maior junkie da parada. [risos]
Amarante – É
normal. Depois tem a fase Ramones…
Bruno – Eu
venho de uma casa pouco musical. Meus pais não eram de comprar discos. Havia
uns discos de novela. Via muita televisão e ouvia rádio também, mas despertei
pra música muito tardiamente. Vejo que as pessoas costumam comprar o primeiro
disco aos 10 anos e comigo fui mais tarde. Brinquei até mais tarde. Só fui me
envolver com música quando comecei a aprender teclado, com 14 anos.
Quer dizer, fui ouvir música mesmo junto com produzir música. É engraçado
porque as pessoas perguntam de influência de teclado e eu não tenho nenhuma.
Minha história é muito fragmentada, mas eu acho isso ótimo porque não tenho
vício nenhum. Pego as coisas de uma forma muito solta.
Manoela Ziggiatti – E você escolheu o teclado como?
Bruno – Não
escolhi. Foi escolhido. Uma vez achei um tecladinho Hering na casa da minha
avó. Era da minha tia. Aí eu peguei e fiz um “Cai, cai, balão” e minha mãe
achou foda!
Almeida – O melhor “Cai, cai, balão”! [risos]
Bruno – Aí
ela uma vez entrou num free shop… e havia essa onda nos anos 90… Meu tio trabalhava
na Receita Federal e colocava minha mãe pra dentro pra comprar umas coisas dos
Estados Unidos. Aí ela comprou um teclado e disse: “Comprei pra você”. Tá bom.
Foi assim que eu comecei a ter aula de teclado. Talvez hoje em dia eu
escolhesse guitarra ou algo assim, mas agora tá tarde pra mudar. [risos]
Barba – Nunca
é tarde pra mudar, Bruno! [risos]
Bruno – Mas
eu tenho preguiça de começar tudo de novo. E o emprego aqui
é pra teclado. [risos] Guitarra já tem duas.
Amarante – Eu
posso começar a tocar teclado um pouquinho!
Tacioli – Mas você tem noção de outros instrumentos?
Amarante – Ele
sabe que tem umas cordas… [risos]
Bruno – É
só me dedicar. Meu irmão mais novo começou agora a tocar guitarra e pegou super
rápido. O básico.
Barba – Quando
se é mais novo pega mais rápido mesmo.
Bruno – É
mesmo. Mas o lance é começar, né? Tenho vários amigos que não tem carta de
motorista. Porra, o Max [Eluard] tirou no ano passado! O negócio é começar.