Publicado: 19/05/13
Marcelo Camelo: ‘Minha música e minha vida são cada vez mais uma
só coisa’
RIO - O DVD “Mormaço” poderia ser apenas o registro
do recente show de voz e violão — a versão em CD, “Ao vivo no Theatro São
Pedro”, é isso. Mas Camelo convidou o diretor americano Jack Coleman para
pensar o extra “Dama da noite”, “um filme que fosse uma alegoria da música”.
Por e-mail, o artista cita referências que o levaram ao DVD e fala da ligação
entre sua música e sua vida.
Qual era sua ideia para o DVD “Mormaço”?
Minha intenção era fazer um filme mais poético,
para contrapor ao último DVD, documental, sobre o show. Vinha assistindo muito
a “A cor da romã” (filme de Sergei Parajanov lançado em 1968), com aquela
linguagem simbólica, onírica. Achava que a minha música estaria bem ao lado de
uma obra assim. Quis um filme que fosse como a minha música e não sobre a minha
música. Tinha na cabeça o Parajanov, a (Maria Gabriela) Llansol, escritora com
quem compartilho a tentativa de usar o cotidiano como chave para o infinito, o
documentário sobre o (guitarrista) Fred Frith chamado “Step across the
border”... Eu conhecia o Jack (Coleman) e o trabalho dele, por causa dos clipes
do Growlers e de seus filmes de surf, e achei que conseguiríamos fazer um filme
assim com ele.
Qual era sua ideia para o DVD “Mormaço”?
Minha intenção era fazer um filme mais poético,
para contrapor ao último DVD, documental, sobre o show. Vinha assistindo muito
a “A cor da romã” (filme de Sergei Parajanov lançado em 1968), com aquela
linguagem simbólica, onírica. Achava que a minha música estaria bem ao lado de
uma obra assim. Quis um filme que fosse como a minha música e não sobre a minha
música. Tinha na cabeça o Parajanov, a (Maria Gabriela) Llansol, escritora com
quem compartilho a tentativa de usar o cotidiano como chave para o infinito, o
documentário sobre o (guitarrista) Fred Frith chamado “Step across the
border”... Eu conhecia o Jack (Coleman) e o trabalho dele, por causa dos clipes
do Growlers e de seus filmes de surf, e achei que conseguiríamos fazer um filme
assim com ele.
Por que os nomes “Dama da noite” e
“Mormaço”?
São lembranças remotas de Jacarepaguá, do bairro e
da rua onde morei até os 15 anos e que têm uma presença forte na minha vida.
Agora que voltei a morar na Zona Oeste e estou tendo contato com esses entes
como a lagartixa, a samambaia, os insetos tropicais, pareceu para mim o
encerramento de um ciclo longo pessoal. A dama-da-noite, que é uma planta, e o
mormaço têm um fulgor vizinho nessas minhas memórias. São da natureza da
sedução, da conquista indireta, como acho que minha música é às vezes. A
dama-da-noite tem um cheiro que é dos meus preferidos, e sempre numa
circunstância corriqueira, um portão de casa, um jardinzinho qualquer, mas um
cheiro forte e só dela que faz dobrar o joelho da gente quando passa. Minha
música e meu método carregam reminiscências dessa parte da vida na sua origem.
O que motivou a escolha, em “Dama da
noite”, pelas imagens de baixa fidelidade, focos imprecisos?
A escolha de filmar em película sugere o caráter
manual e laborioso do processo. É uma tentativa de estar lado a lado com o
processo vivo que é a criação de uma obra de arte, de tempo de revelação,
fixação, nas incompletudes e limitações. E arrisca ganhar com isso também o
brilho e a vivacidade de uma obra que incorpora suas imperfeições na linguagem.
Um filme formado por muitos fotogramas físicos e revelado quimicamente, além de
ser muito mais caro e dar muito mais trabalho, é também mais extenso, gosto de
pensar, no seu campo possível de interpretação. A fidelidade em questão é com a
beleza e poesia e não com a realidade.
O que você buscou nas formações instrumentais que
aparecem na trilha de “Dama da noite”?
São músicas que fiz ao longo desse período desde o
último registro em filme. Cada uma delas tem uma história diferente, uma
intenção diferente. Queria ter também, além das canções, um discurso sem texto,
sem idéias faladas. Acho que pra estar mais ao lado dessa expressão intuitiva,
dessa linguagem mais indireta.
Tanto no seu violão (e na rabeca de Thomas Rohrer,
que participa do show) quanto na forma como as imagens são usadas em “Dama da
noite”, há uma exploração das texturas. Qual a importância da textura para
você?
Sinto que o tipo de registro sonoro por exemplo
muda muito a natureza da informação. Não existe uma distinção muito clara entre
a mensagem em si e o registro da mensagem. Existe uma correlação entre forma e
conteúdo que cria a mensagem na pessoa que a recebe. Por isso sempre me
interessei pelos tipos diferentes de registro de som. Em imagem é o mesmo.
Filmar uma cena com câmeras diferentes pode trazer pra ela outro significado. O
Thomas traz essa distinção pra parte do espetáculo ao transformar com a textura
do seu instrumento a sonoridade do violão e da voz sozinhos. Achei que seria
importante criar uma diferença de textura sonora ao longo do show pra mudar o
eixo dos acontecimentos.
A fronteira entre vida e música aparece fluida em
seus projetos. Desta vez, há imagens de sua intimidade, a presença da sua
mulher, Mallu Magalhães. Como você avalia a importância de Mallu para sua
música?
Minha música e minha vida vão cada vez mais se
tornando uma só coisa. Não sei em que momento comecei essa caminhada nem por
quê, mas desconfio que sobrou pra mim esse fio de possibilidade, uma vez que a
ideia de usar uma outra entidade pra compor minha persona artística passa longe
da minha habilidade. Minha expressão artística vem dos meus sentidos, que estão
estreitamente ligados ao meu entorno e às entidades que habitam comigo esses
espaços.
Comente a presença de “Luzes da cidade” e “Dois em
um” no show do DVD.
“Luzes da cidade” fiz para este show, quando foi
estrear em SP, antes de ter a ideia de fazer uma turnê ou um disco com ele.
“Dois em um” é uma música muito antiga, que nunca tinha tocado ao vivo, e me
pareceu uma ocasião apropriada. Neste show também já toquei outras músicas
minhas que nunca tinha gravado, como a que fiz pro Erasmo. Acho que o fato de o
show ser basicamente eu e um violão torna minha missão difícil em um sentido,
mas, nesse ponto, o de amarrar as diferenças estéticas e temporais de cada
música, a coisa fica mais fácil.
Sozinho, fica ainda mais claro seu uso do violão.
Como é sua rotina de estudo? O que você escuta pensando nesse estudo?
O violão já grudou em mim de um jeito simbiótico.
São tantos anos tocando que ele não me convida mais pra coisas desafiadoras. O
que eu estudo são os sons e as ideias. A mistura destas duas coisas. Uma pela
outra e a outra por uma. Aí quando vou pro violão eu vou pacientemente tentar
desvendar estas coisas. Mas não estudo nada além disso.
Você gosta de ouvir a plateia cantar junto. O que é
mais prazeroso nisso?
Eu gosto muito do som que faz. :)
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